Naquele dia, quando cruzei a noite e segui as direções à sua casa, não acreditava no que via. Jesus nazareno estava sentado, junto à janela, com um manto de linho pousado sobre os ombros. Fiquei uns tempos a olhá-lo, no entretanto que pedi a Marta ao não me anunciar. Havia uma parte de mim que morava ali, no colo do Mestre, mas outra que levitava nas ruas dos judeus do meu tempo; era um fariseu e tinha as minhas responsabilidades. Estava a escassos segundos de conhecer o verdadeiro filho do Homem. Sentia uma mistura de coragem e audácia, numa política do não-retorno. Escolhi seguir.
Recordo-me, passados estes tempos, que Jesus dito Cristo me falou em trevas, luz, visão e na possibilidade de se nascer de novo, mesmo não sabendo de onde vem o vento apesar de saber que é vento. Lembro-me, ainda hoje, das coisas todas que me disse e entendo ter percebido uma pequena parte. Aquele distinto homem miraculoso, que fez da terra de Israel um alvoroço, não era um simples ser com um pano de linho sobre os ombros. De feição morena, cabelos mal-tratados e de olhos cor-de-mel, Jesus mexia a sua boca entre os dentes, o céu-da-boca e o meandro da língua; espécie de transe. O que mais me angustia, depois de o ter sabido morto na cruz e escarrado no sagrado caminho, é ver que, depois do Templo ter sido destruído, há uma poeira densa que habitou este mundo; infâmia e inglória. Sinto uma angústia tremenda dentro de mim, porque soube, através de Marta, que o túmulo foi encontrado vazio e que os seus apóstolos estão em missão.
A semente do Jesus, que vi naquela noite olhando a luz divina pela janela de linho, está na terra. Há uma mensagem de profundo amor que guardo no meu peito e uma mensagem de esperança, ao recordar o seu rosto e a sua boca dizendo-me suas milagrosas palavras. Apesar da poeira, parece haver um novo tempo em formação. Como se das pedras viesse a água e das trevas houvesse luz; como se, verdadeiramente, se pudesse viver de novo. Há todo um mistério no meu peito depois daquele dia; por isso, ajudei Arimateia nos recursos ao sepulcro.
Marta levou-me a casa de Maria, a mãe de Jesus, e nas suas mãos e olhos e ouvidos senti ressurreição da carne. Todos vão ter com ela, agora que o cordeiro de Deus foi feito sangue na oferta sacramental aos céus; ela é a prece e um caminho lúcido para se chegar ao verbo. Isto é renascer e era sobre isto que falava Jesus naquela noite secreta em que meus olhos pousaram em suas palavras. São vento que vai e vento que volta.
Luís Gonçalves Ferreira
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