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Touradas

Os seres humanos quando se enfrentam são como animais galantes: as mãos são os chifres, a boca grunhe uns insultos e os pés equilibram o epicentro, porque a queda dita a perda. Não quero com isto dizer que as lutas são irracionais ou que os animais não conseguem pensar; não é isso. Quero dizer que hoje vi dois touros a baterem-se na minha frente. O teatro acabou depois de um deles ter dito ao outro para não voltar a falar na sua mãe. Freud teria muito a dizer sobre isto e o Saramago escreveu bonitos textos de esquerda sobre as touradas. Por estas coisas desconfio de pessoas dos signos com chifres. 

Como no reino animal, há forças e forças; há pessoas e pessoas. Os gregos desenhavam homens a superar touros. Há dias em que a razão disciplina os impulsos do corpo e outros dias há em que a razão atrapalha os impulsos do corpo. Volta e meia, a espada falha e o toureiro fica com um corno no ventre e sangra para a morte: como os touros filhos de uma tal mãe cujo nome ouvi grunhir hoje de tarde. A sorte é que todos temos uma mãe para insultar e uns chifres para usar.

Luís Gonçalves Ferreira

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