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à mamã

Conhecemo-nos há muito tempo, mas há partes da minha mãe que ainda não conheço muito bem. Tem os olhos mais bonitos que já vi e escora-me todos os dias, mesmo no silêncio imenso que às vezes se mete entre nós. A minha mãe não é, em nenhuma parte da nossa história, minha amiga: é minha mãe com toda a propriedade e o respeito que isso acarreta. Vejo essa disciplina em todos os sítios em que estou e naqueles para que sou convocado a estar. A minha mãe tem o coração mais bonito que conheço, tantas vezes mal-tratado e pouco compreendido; ensinou-me a ser o que devo ser, nos diversos contextos. Auxilia-me e ampara-me, especialmente quando mais preciso e sinto mais desprotegido. É a ela e ao meu pai que devo o profundo sentimento de família que, com um só olhar, fito os olhos das minhas três irmãs.
Há muito da minha mãe que me lembra da minha avó e muito da minha avó que está na minha mãe: vejo-o todos os dias, sem que isso seja um peso para qualquer das partes. A confusão não fui eu quem a fez, mas sim o tempo quando, noutros ventres, praticamente as fundiu no mesmo natal. Não acredito que todas estas coisas aconteçam por acaso; como não é acaso estar aqui, agora, nestes vinte e oito tirados a ferro e fogo. Pela primeira vez na minha vida sinto-me numa batalha que gira numa roda dentada; não há óleo que me valha nem a mínima previsão que tenha pena a se realizar. O único leito que nos fica, em todas as ocasiões da vida, especialmente nas mais difíceis, é a alcova do amor. Tenho a sorte de, ao meu lado, encontrar uma força de inspiração tremenda que me nivela e me faz crescer; mesmo duvidando dos compromissos e de alguns rabiscos; mesmo sabendo que existem caminhos sem retorno; mesmo amando em silêncio, sem voz ou contrabaixo, nesta orquestra sem direcção plena e cheia de pausas para cafés e sonhos acordados.
É dia 17 de abril e a minha mãe faz o seu aniversário. Dar-lhe estas palavras é, por isto, agradecer com o que de mais bonito sei fazer, nos humores que me caracterizam por estes salões em que se paramentam anjos carmesim.

Luís Gonçalves Ferreira, 17 de abril de 2018 

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