"Na Segunda Guerra Mundial, a comunidade judaica deste país contribuiu por completo com as nações que amam a paz e a liberdade contra as forças da tirania nazi e, com o sangue de seus soldados e dos seus esforços de guerra, ganhou o direito de ser reconhecida entre os povos que fundaram as Nações Unidas."
Este é um dos parágrafos da Declaração de Independência de Israel, assinada em 14 de maio de 1948, há exatamente 70 anos. Em resposta, os vizinhos, que não se reviam no local, ocasião nem princípios que fizeram da Palestina o destino dos judeus, iniciaram uma das múltiplas guerras locais que Israel acabaria por vencer. Injetado na veia das vítimas, Israel tornou-se num incrível caso de análise para a psicologia clínica, naquela teoria de que antigas vítimas são potenciais agressores. O acontecimento de 1948 poderia ser lido como o preço que as nações regionais pagaram à fatura do direito à autodeterminação que, de forma indireta, também os tinha beneficiado pelo desmantelamento do Império Otomano, em 1918. Hoje, à luz do direito de sermos quem queremos ser, Israel festeja a sua vitória na Eurovisão e vê os americanos transferirem a sua embaixada para Jerusalém. Enquanto isso, o desastre humanitário da Faixa de Gaza e o problema dos colonatos não é discutido internacionalmente, especialmente irrelevante perante o escambo da Coreia pelo Irão. Todas estas lógicas de poder parecem ironicamente silenciosas e paulatinas, numa espécie de corpo doente nas múltiplas metastases do discurso do ódio e do nacionalismo. O mesmo nacionalismo e o mesmo discurso de ódio que, no passado, matou milhões de judeus, homossexuais, ciganos e deficientes, e que, até hoje, nos faz pedir desculpas e erguer memoriais, esquecendo todos os "outros" escondidos por detrás de uma memória forte, infiltrada desde o grande capital até à mais alta diplomacia.
Resta-nos saber qual o preço que todos iremos pagar por esta conveniência de agendas que faz do simbólico o que realmente comove e desvia as atenções; de uma forma ou de outra, a civilização ocidental celebra, mediaticamente, os 70 anos de Israel. O tudo pelo que passamos não justifica o tudo que podemos fazer. Talvez o maior ensinamento de tudo isto esteja nas tantas desculpas que pedimos para as vezes em que realmente falhamos.
Luís Gonçalves Ferreira, 14 de maio de 2018
Comentários
Enviar um comentário
Vá comenta! Sem medo. Sem receio. Com pré-conceitos, sal e pimenta!