Há muitos anos que venho vestir anjinhos para Mirandela e em todos eles aprendo coisas novas: sobre os outros e sobre mim mesmo; sobre o meu trabalho e o seu impacto na pequenez da vida das pessoas; sobre ter fé e sobre seguir descalço, mesmo com os termómetros a tocarem os 42º. Mirandela ensina-me muito e aquilo que move as pessoas - e que muitas vezes faz tropeçar as lágrimas pelos meus olhos abaixo - é de uma força que não tem adjetivos. Podem chamar-lhe de loucura, ópio do povo, ócio dos menos lúcidos, descolamento consentido da razão, mas sei que acredito naquilo que sinto. Deus parece, muitas vezes, uma ilusão, mas em Mirandela sente-se bem a sua presença. Aquilo que faz Mirandela sair à rua com 42 graus de temperatura não é ficção e vê-se bem. Criação do género humano, Deus é o povo que caminha descalço a abraçar velas pesadas. Deus é pelos terços pendentes de mãos em cera. Deus é nas cabeças sem cabelo, nas perucas a enganar os olhos e nos sofrimentos dos olhares vazios.
À Senhora do Carmo, à Senhora do Amparo e à Senhora da Encarnação - das de carne e osso e cetim. À Senhora do Sameiro, porque me ensinou que qualquer dia pode ser o primeiro dia. Aos pés cheios de caspa e poeira que caminham, atentos, no alento dos desamparados. Obrigado: por me comoverem, mas, sobretudo, por me ensinarem, todos os anos, a ver os outros de uma forma renovada.
Luís Gonçalves Ferreira
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