A Mafalda foi batizada no dia 5 de outubro e eu não escrevi nada sobre isso. Não é normal em mim: a Mafalda tem uns olhos e um sorriso que significam grandes esperanças na minha vida. (Ainda) Não rabisquei nenhum linha, porque existe uma parte de mim que foge de algumas coisas que senti no dia em que, volvido de Barcelona, a segurei nos braços pela primeira vez. Foram pernas e coração com medo que lhe deram um colo entre os braços; era um sorriso nervoso e um nevoeiro de inverno; e uma masmorra indefesa que se sentia a cair de fronte a um vaso com pouca água no fundo. Não conseguia compreender a sucessão de coisas que me estavam a acontecer e o que a vida me estava a querer ensinar. Não me posso esquecer da palavra cancro e das coisas todas que pode signifcar, mesmo mantendo-se, no diagnóstico, a ser aquilo que não é e a não se saber muito mais sobre; "agora, é esperar", disse o homem da ciência; acreditei e acredito nele. O medo é uma cicatriz no meu corpo: a ela recolho e dela trato todos os dias com creme num olhar estranho sem qualquer propriedade. Vejo-me, encarando o espelho, como quando segurei na Mafalda pela primeira vez e não sabia nada do magistralmente positivo que estava para vir; que tudo foi um susto; que iria restar esperar(-me).
O amor salva-nos sempre e amor da minha família resgata-me, todos os dias, dos sítios para onde a minha alma consegue ir. Não me posso esquecer do Porto, depois do almoço de domingo, com cartazes à porta do sítio onde eu, a Eliana e a Maria ficamos a dormir; gestos que guardo no meu coração sem mais perguntas. Há coisas que me acontecem que não lhes percebo logo o sentido, mas sei que devo aprender alguma coisa. As asas dos anjos abraçam a minha cabeceira todas as noites e fazem-me acreditar que o melhor é sempre o que está por acontecer. Demorei muito tempo para saber se deveria escrever, literalmente e sem medo das palavras, estas linhas; o tempo há-de seguir, sempre, até à próxima consulta.
Os dias 31 de janeiro e o 19 de março também foram importantes nestes 28 de saturno que parecem um comboio velho rumo a Moscovo. A grande diferença entre os comboios e os automóveis é que os primeiros não voltam para trás por consenso de até cinco passageiros. Seguir.
Luís Gonçalves Ferreira
Comentários
Enviar um comentário
Vá comenta! Sem medo. Sem receio. Com pré-conceitos, sal e pimenta!