O marido da Júlia Pinheiro disse-lhe que ela era a sua pátria. Num tom bonito e sincero com a voz bem colocada de um radialista. Ouvi pela primeira vez a palavra mátria pela pena do professor Ferreri e muito do meu feminismo fez sentido, porque as mães ensinam-nos muitas coisas das quais não podemos ter medo; o amor também tem géneros, sentidos e construções; o amor também é berço e não devemos deixar que as cozinhas e os quartos deixem de ter cheiro a amaciador. Mátria, pátria e casa são palavras que rimam bem. Berço também faz o seu sentido, porque é uma espécie de colo posto de urgência quando o de carne e osso está ocupado ou cansado ou a tratar de pôr amaciador na roupa.
Num tempo de ressurgimento das pátrias e das casas grandes defendidas com exércitos e bandeiras, acho que faz sentido relembrar que a pátria é amor e não tem muito que ver com ódio. O amor deve ser o outro ao disser-lhe para se deitar no berço enquanto o colo está cansado, fazendo-o como nosso e partilhando um teto e um sentimento de estar confortável. Isto é sobre empatia e não acerca de bodes expiatórios que dividem o que, em conjunto, era forte e robusto.
Acho que o nosso desnorte começou quando nos fechamos no beco do egoísmo, patrocinado por uma certa filosofia do Estado que pretendia, através de cada um, justificar um novo paradigma. É estranho ouvir políticos falarem em pátrias e nações e armas e muros com ódio e depois escutar um radialista chamar pátria ao amor de uma vida. Amor é muito mais do que pátrias e mátrias e nações e berços e estados, mas pátrias e mátrias e nações e berços e estados e pessoas deviam ser, sobretudo, amor. Tudo seria mais fácil e o radialista e o professor e as mátrias teriam a sua razão.
Escrito em 17 de janeiro de 2019
Luís Gonçalves Ferreira
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