Num mundo dividido por nacionalismos, muros de preconceito e palavras de ódio em relação ao outro, a fronteira luso-espanhola banhada pelo Rio de Onor é um poema vivo acerca das ironias do político. É a prova viva - transparente como a água - que os países não existem; que as fronteiras são de papel e caneta; que o humano é mais do que as barreiras e os canivetes que rasgam tratados e convenções. Além da placa "Espanha", que a vegetação consome com boca de fome e faz desaparecer, entre Rio de Onor e Rihonor de Castilla não existe absolutamente nada de nosso ou de vosso.
As árvores comem a política e os humanos cruzam-se com ela; destroem-se a partir dela. Há bandeiras da federação, do estado-nação, da província; há, obviamente, os cheiros e os cartazes com estrelas e esferas armilares e coroas da monarquia. Mas também há os sobrados entre animais e humanos, as casas do forno comunitário, o rio que, sozinho, rasga tudo mais unindo que separando; há respeito pela terra e sua identidade. Os mapas das tradições unem Bragança e Zamora numa única e só genética; num património que faz pontes e celebra a fertilidade, a batalha do bem e do mal, das trevas e da luz, ironizando o homem e a mulher e as coisas de todos os nomes.
Na Basílica de Santo Cristo, em Outeiro, um cão pequeno chamado Jolie ensinou-me que existem sorrisos entre as pernas lentas do velho e a sachola do seu caspão; que aprendemos em cada sítio que vamos, por mais pequeno e humilde que o sítio ou o mensageiro sejam. As chaves mais pequenas rodam grandes portais e o despropósito naquele patudo que, solto da trela, lançou as mãos sujas às minhas calças pretas, não tem explicação. O Jolie, o sacristão do Outeiro, o pintor da sacristia que trabalhava a partir do meio-dia, o senhor Fernando que tinha um filho padre e caspão na sachola, os três nós do cordão franciscano, o Fábio e a placa de Rio de Onor de Portugal e Castilla [ou Leão] disseram-me tantas coisas sobre o humano, o sentimento, a emoção ou a entrega. Uma das melhores sensações que posso sentir é a felicidade de estar em momentos irrepetíveis com pessoas irrepetíveis. Sou sortudo por saber senti-lo e escrever sobre isso.
Obrigado, Ruidenore, por me teres ocultado a fronteira que quis fotografar.
Escrito em 10 de dezembro de 2018.
Luís Gonçalves Ferreira
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