A moda é um estado de presente e uma patologia crítica do mundo que a rodeia. A moda critica, constrói e remonta corpos, sociedades e poderes que, pelos signos, ganham, transferem e ajustam significados entre si. Entendida como sistema codificado dos inúmeros significados sociais do corpo humano perante os desafios do seu tempo histórico, a moda é, através do seu criador, uma interpretação crítica do espaço. São tesouras, linhas, bordados e cortes que localizam o feminino e o masculino, estabelecem as pontes entre os géneros, as geografias, as periferias e as hegemonias e lançam a performance do self ao complexo jogo tributado das aparências. Desafios, sedução e desejo que ganha pertinência perante um espaço tácito de competição; as ruas das cidades ou os holofotes do Instagram são textos de línguas diferentes perante os mesmos desejos de protagonismo e cotação face ao outro.
Um dos grandes desafios das marcas de moda é relançar-se após a morte ou a perda do nome que a originou; o vazio crítico só pode ser preenchido com mais carisma e criatividade que permitam renovar uma ideia de passado num palco onde apenas o futuro quer estar. Alexander McQueen é disto exemplo. Quase sempre o espírito de uma marca depende da visão crítica e do carisma de um nome. Karl Langerfeld sintetiza uma Europa unida nos ânimos germânicos e franceses, na performance ditatorial de corpos e paradigmas de beleza, defendendo um estereótipo universal de pessoa, corpo, consumidor e cidadão. Normas e codificações do gesto perante a sacralização da graça, da validação e da regra. O velho continente, através do capital e das marcas de moda, expande os seus traumas e ressacas. O chamado "sistema de moda" nasceu na Europa, provavelmente resultante da competição individual e coletiva por espaços simbólicos de afirmação; pouco sítio e demasiados egos - Karl sintetiza esse sistema de colonização, hegemonia e fetiche dos homens. Os nascimentos começam sempre com o nome de "ela", por isso Coco Chanel.
Hoje morreu uma lenda, mas os teares continuam a bater.
Escrito em 19 de fevereiro de 2019
Luís Gonçalves Ferreira
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