Espanta-me que o país que se preocupa tão pouco com arte e cultura se preocupe tanto com as touradas. A questão das touradas nada tem que ver com um processo artístico; é uma barbárie baseada no desejo e prazer de ver sangue - e o que está errado é precisamente o patrocínio, muitas vezes público, do que é horroroso e violento. Também acho interessante perceber, conforme observou o Sennett, que nos espantemos tão pouco com a violência de humanos amputados e esfomeados nos televisores e nos choquemos tanto por animais maltratados. O Sennett contava, no livro Carne e Pedra, que, numa sala de cinema nos subúrbios de Nova Iorque, depois de terem visto um filme sobre a Guerra do Vietname, todos notavam a mão amputada do seu amigo e ninguém parecia incomodado com as atrocidades que havia visto. As touradas são mais tradição do que uma arte e parece-me mais sensato admitirmos que gostamos de ver homens defrontarem touros e que somos insensíveis ao sofrimento do animal, do que alterarmos termos ao dizermos que uma coisa é outra coisa para parecer mais legítima. Ver um animal a ser violentado não é arte como não o é vermos seres humanos amputados nas salas de cinema. Mas, então, onde está a liberdade de escolher?
Texto de 20 de novembro de 2019
Luís Gonçalves Ferreira
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