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As saias com cheiro a teias-de-aranha.

Há umas coisas muito importantes que poderia dizer sobre o uso das saias no seu significado antropológico, sociológico e histórico, sejam usadas por mulheres ou por homens. Também podia relembrar que as roupas não têm um género definido; ser homem ou mulher não é ontológico ao objeto que estabelece a relação de poderes entre a coisa e a identidade da pessoa que ajuda a construir, definir ou limitar; a relação entre o objeto e o seu significado resulta da atribuição de sentido social e cultural num campo historicamente limitado, apreendido por todos e todas perante os sistemas de signos disponíveis para apropriação. Também é importante dizer que os clérigos, os desembargadores e até os universitários ainda hoje envergam vestes talares como forma de prestígio intelectual e enquanto símbolo de um tipo de masculinidade alicerçada em princípios de ordem moral ou intelectual.

O que parece ainda mais curioso sobre estes comentários acerca da saia do assessor do Livre no parlamento, é que os mesmos abrem uma janela de comentários misóginos e nojentos protagonizados, na sua maioria, por homens acerca do corpo masculino incorporando signos tradicionalmente femininos. As saias não são coisa de mulher e ser mulher não pode continuar a ser associado ao pecado, à histeria e à ineficiência intelectual. Usar saia não é um fator de diminuição da identidade de género de ninguém; usar coisas de mulher não descredibiliza o exercício de poder público. Viajar e ver um pouco mais de mundo tornar-vos-ia mais humanos e menos arreigados às palavras nos sentidos limitados da janela pequena do vosso sótão. O problema não é das saias, mas das vossas cabeças.

Luís Gonçalves Ferreira
Texto originalmente escrito no Facebook em 26 de outubro de 2019

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