Não me recordo de, na minha infância, ter ouvido falar de forma tão intensa no planeta e nas questões climatéricas. As questões mundiais giravam em redor da pobreza, dos vírus, doenças contagiosas e das guerras totais que terminariam com o nosso crescimento económico. A minha educação familiar, a minha escola, os meus círculos mais próximos ensinaram-me muito pouco sobre a importância de respeitar o meio ambiente. Cresci em liberdade e brinquei muitas vezes na rua; ia de automóvel para a escola e não gostava de andar de transportes públicos. Alguns dos meus privilégios de infância passaram por saber o que são os afectos e conseguir crescer com responsabilidades de criança.
Hoje, aos vinte e nove, a minha consciência é outra. Durante anos, mesmo vendo na televisão macacos a conseguir separar o lixo, era um urso e recusava-me a fazê-lo; tinha um discurso conservador e dizia que o planeta aquecia por motivos "naturais" e que o processo fazia parte do ciclo da terra. Não deixei de acreditar nessa realidade. A ciência comprova que a história do planeta se conta também dessas oscilações de temperaturas, que foram eliminando espécies e contribuindo para o surgimento de outras. Esta verdade não impede que outras verdades sejam verdadeiras: o desenvolvimento do ser humano, que inventou a tecnologia e ainda descobre as suas possibilidades, pode acelerar o processo de aquecimento global contribuindo para a extinção da sua própria espécie. Este não é um discurso de opinião ou refém do capitalismo nórdico, como erradamente entendia; é o discurso da ciência. É nela que devemos acreditar porque foi o seu desenvolvimento que nos fez tão poluidores; foi o seu desenvolvimento que consolidou os vetores do nosso progresso material e civilizacional; acreditemos que seremos também capazes de reduzir este impacto. Vivemos mais e melhores anos, porque a ciência assim o permitiu. Foram os homens e mulheres que passaram anos, dias e horas das suas vidas estudando comportamentos, utilizando metodologias, comprovando e construindo realidades, que permitiram produzir conclusões e apresentar resultados - imperfeitos e com opções, como tudo o que é humano.
Existem os que negam a separação do lixo, as vantagens da vacinação, os que querem voltar a fazer partos de pernas abertas no meio da selva, como primatas, e aqueles que dizem que as mulheres não são discriminadas porque as mulheres que conhecem não ganham menos que os homens. O negacionismo da ciência (ou das ciências), dos factos e das provas está na moda - os dados são relativizados e os políticos usam palavras cujos sentidos civilizacionais desconhecem. Temos aliados fortíssimos para a promoção e circulação de informação, mas continuamos a ser manipuláveis e facilmente estupidificados.
O que me leva a escrever este texto é que, há pouco, quando via o Donald Trump a dizer que o mais importante é que o ar e água americanos estão limpos, a ironizar o discurso de Greta Thunberg ou a achar pode vencer um prémio Nobel, recordei-me que já fui um Trump quando não separava o lixo, quando circulava mais de automóvel, quando comia mais carne de vaca, quando comprava mais produtos embalados em plásticos de utilização única e quando dizia que estas coisas do clima eram invenção dos países nórdicos para ganhar mais dinheiro. Hoje, depois de ter conhecido as pessoas certas e procurado informar-me sobre o assunto, vejo que o mundo está diferente: aumentaram a frequência dos fogos florestais e inundações, assisto, pelo televisor, a mais tufões e terramotos; as estações do ano praticamente desapareceram. Estes fenómenos matam espécies animais e seres humanos ou pressionam migrações. Hoje, eles; amanhã, nós.
Assisto, preocupado, a derivas animalistas e anti-científicas; vejo políticos não referendados e impreparados a controlarem aspetos da minha vida que são vitais. A mensagem deste texto é que já fui e, em grande medida, ainda sou, um Donald Trump, mas quis e quero continuar a reabilitar-me. Espero que outras pessoas cheguem à mesma conclusão e que a missão do Trump no planeta seja a de que, individualmente, nos envergonhemos das figuras patéticas que fazemos quando dominados pela ignorância e falta de leitura.
Texto escrito no Facebook no dia 24 de setembro de 2019
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