Avançar para o conteúdo principal

Paula Rego, Bride, 1993.

A Paula Rego disse que os cães dão a barriga para cima quando se rendem e o quadro “Bride” é sobre isso. Também disse que deixou a fase das colagens e passou ao desenho quando sentiu que colava coisas apenas pelo efeito; desenhar libertava-a mais. Acho que a ideia de fazer as coisas apenas pelo efeito sintetiza muito do aborrecimento que, em algumas fazes da vida, podemos sentir ao fazer as coisas que já amámos muito e que no presente nos aborrecem. A ideia da Paula Rego é muito forte e também se aplica ao amor; há muitos casais que estão juntos apenas pela sensação do efeito e vivem a vida de barriga para cima, rendidos ao aborrecimento, ao tédio e à casa. Também não sei se o amor não é exatamente aprender a estar feliz entediado e aborrecido e em casa. Ter uma casa é a parte mais substantiva da liberdade de viajar; ter casa é exatamente ter lugar para virar a barriga para cima e reclamar por carinhos. Os cães ensinam-nos que apenas devemos confiar depois de cheirar a bondade da pessoa; o amor é poder virar a barriga para cima, sentir o lado bom do efeito e “ensina-me a desenhar”.

Luís Gonçalves Ferreira
Originalmente escrito no Facebook em 17 de novembro de 2019

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Pensar mais do que sentir

Tenho saudades de ser pequeno, livre e inocente. Sinto falta da irresponsabilidade de ser cândido e não saber nada sobre nada. Estou nostálgico em relação ao Luís que já existiu, foi, mas que não voltará a ver-se como se viu. Este corpo e alma que agora me compõem são reflexos profundos da minha história. O jeito de sorrir, abraçar e beijar reflectem os sorrisos, abraços e beijos que fui recebendo. Sinto falta do Luís que só sabia dizer mamã e Deus da má'jude . Sinto a ausência das pessoas que partiram e que naquele tempo estavam presentes. Sinto saudade de só gostar da mãe e de mais ninguém. Sinto saudades de sentir mais do que pensar. É um anseio que bate, mas nada resolve, porque apenas cansa a alma. A ausência corrói a alma e o espírito. É nestas alturas que penso que a Saudade e o fado são as maiores dores de alma que consigo ter. Provavelmente, sou mesmo um epicurista. Luís Gonçalves Ferreira

Sem parágrafos

Por momentos  - loucos, é certo - esqueço-me de mim e sou capaz de amar. Amar sem parar, com direito às anulações, sofrimentos e despersonalizações que os amores parecem ter. Por momentos - curtos e fugazes - eu esqueço-me de mim e sou, inteiramente, completamente, antagonicamente teu. Entrego-me, como quem não espera um amor livre. Dou-me como quem sente que as minhas vísceras são as tuas entranhas. Abraço-te como quem encosta os corações, que outrora estavam frios, gelados e nus. Aproveita, meu amor, eu sou teu. Aproveita que estou louco e leva-me contigo, para sempre. Rapta-me o corpo, a mente e o descanso eterno deste insano coração. Corres, contudo, o sério risco de não me levares por inteiro. Prefiro trair o coração que a mente, amar a imagem do que viver intensamente a vida de outrem. Amor, querido e visceral amor, leva-me e mostra-me que existes. Não sei quantas horas tenho para cumprir esta promessa que fiz a mim mesmo. A memória irá voltar e corres risco de já não me acha...