Avançar para o conteúdo principal

Uma infeliz coincidência?

Neste momento em que se combate e não se limpam as armas, gostava de trazer uma reflexão com dois pontos: a responsabilidade de todos e todas como agentes ativos da coisa pública e do interesse societário, o que implica que não dependamos do Estado para tomar decisões fundamentais e estruturais das nossas vidas - que façamos mais e que reivindiquemos melhores políticas; e que saibamos compreender que a COVID-19 discute política e economicamente o nosso modelo civilizacional: o valor da saúde, o desajuste do desenvolvimento baseado na acumulação e desperdício de recursos, o agigantamento das cidades e a deficiência do seu abastecimento, a terciarização do tecido económico, a importância da liberdade de imprensa e a dimensão crónica do analfabetismo funcional e digital, o livre desenvolvimento da nossa personalidade, a liberdade de circulação de pessoas e bens, as garantias da segurança que constam do nosso contrato social com a República e quais são as fronteiras que pisados ao abdicar de uns direitos para salvaguardar outros. A COVID-19 testa a forma como os sistemas políticos, e especificamente as democracias ocidentais, respondem aos momentos de maior fragilidade das populações, numa tendência que, em conjunto com a crise de 2008, os fenómenos de bipolarização e a crescente sectarização das sociedades, pode representar uma alteração significa do estado das coisas.

O que mais me assusta é o nosso alargado desconhecimento sobre a contingência da calamidade e os perigos da desagregação social que ela representa. Somos surpreendidos todos os dias com todas as notícias. O que mais me dá esperança é a ciência, o engenho e a criatividade que as crises, em geral, e a proximidade da morte, em particular, ativam no que a sobrevivência exige. Queria, ainda, relembrar dois tópicos: que este Estado de quem exigimos medidas maiúsculas é aquele que minusculamente participamos quando somos chamados nas eleições; e de que há meses discutimos o tamanho do abraço que devíamos dar a quem fugia da guerra procurando segurança e rotinas. Hoje somos todos refugiados e refugiadas nas nossas vidas ao sabor de um inimigo que desconhecemos.

Uma infeliz coincidência?

Luís Gonçalves Ferreira 
Escrito em 17 de março de 2020

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Pensar mais do que sentir

Tenho saudades de ser pequeno, livre e inocente. Sinto falta da irresponsabilidade de ser cândido e não saber nada sobre nada. Estou nostálgico em relação ao Luís que já existiu, foi, mas que não voltará a ver-se como se viu. Este corpo e alma que agora me compõem são reflexos profundos da minha história. O jeito de sorrir, abraçar e beijar reflectem os sorrisos, abraços e beijos que fui recebendo. Sinto falta do Luís que só sabia dizer mamã e Deus da má'jude . Sinto a ausência das pessoas que partiram e que naquele tempo estavam presentes. Sinto saudade de só gostar da mãe e de mais ninguém. Sinto saudades de sentir mais do que pensar. É um anseio que bate, mas nada resolve, porque apenas cansa a alma. A ausência corrói a alma e o espírito. É nestas alturas que penso que a Saudade e o fado são as maiores dores de alma que consigo ter. Provavelmente, sou mesmo um epicurista. Luís Gonçalves Ferreira

Sem parágrafos

Por momentos  - loucos, é certo - esqueço-me de mim e sou capaz de amar. Amar sem parar, com direito às anulações, sofrimentos e despersonalizações que os amores parecem ter. Por momentos - curtos e fugazes - eu esqueço-me de mim e sou, inteiramente, completamente, antagonicamente teu. Entrego-me, como quem não espera um amor livre. Dou-me como quem sente que as minhas vísceras são as tuas entranhas. Abraço-te como quem encosta os corações, que outrora estavam frios, gelados e nus. Aproveita, meu amor, eu sou teu. Aproveita que estou louco e leva-me contigo, para sempre. Rapta-me o corpo, a mente e o descanso eterno deste insano coração. Corres, contudo, o sério risco de não me levares por inteiro. Prefiro trair o coração que a mente, amar a imagem do que viver intensamente a vida de outrem. Amor, querido e visceral amor, leva-me e mostra-me que existes. Não sei quantas horas tenho para cumprir esta promessa que fiz a mim mesmo. A memória irá voltar e corres risco de já não me acha...