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Carnavalizando

http://kochamkoko.deviantart.com/art/masc-56158066

Depus a máscara e vi-me ao espelho. —
Era a criança de há quantos anos. Não tinha mudado nada...
É essa a vantagem de saber tirar a máscara.
É-se sempre a criança,
O passado que foi
A criança.
Depus a máscara, e tornei a pô-la.
Assim é melhor,

Assim sem a máscara.

E volto à personalidade como a um términus de linha.

Álvaro de Campos, in "Poemas"

O Carnaval e as máscaras. O primeiro abusa das segundas. As segundas deixam-se abusar por aqueles que algo querem tapar. A identidade permanece, momentaneamente, oculta por debaixo de algo que envergonha os traços, o rosto e as marcas íntimas (mas visíveis) de uma qualquer personalidade circunscrita a um público diminuto.

Não gosto de "Carnaval", porque não me revejo neste espírito de parvalheira generalizada. Não me revejo num Carnaval trespassado a papel vegetal de uma nação irmã qualquer.
Gosto do Carnaval sinónimo de alegria, felicidade e vontade de sorrir para a vida. Gosto do Carnaval despudorado, ritualista e pouco sacralizado. O Carnaval da sátira. Um Carnaval que trás ao de cima tudo aquilo que todos deveriam ser.
O Gozo e o Escárnio foram e são muito portugueses. O medo também o é. O segundo abafa largamente as primeiras qualidades. A máscara faz, entre estes dias, toda a diferença nesta promíscua relação.

Ao Homem pede-se que seja alegre e que sorria para a vida. Mas também que se tape, envergonhe o seu próprio "eu", corte as unhas, lave o corpo, seja simpático e conveniente. Entre estas duas valências encontra-se um Homem modificado, multifacetado, mas que se mantém susceptível ao seu redor. Entre estas duas valências se encontra o típico Homem de sucesso. Entre a eficiência a modernidade e a astúcia social.

Entre máscaras se talha cada Carnaval. O meu Carnaval, o teu Carnaval e o Carnaval que é a vida. Entre máscaras se desenvolve o que somos, o que pensamos e os que os outros acham de nós.

As máscaras descansam todos e qualquer um. A máscara é o términus da linha, significa aquilo que somos e substancialmente aquilo que um dia fomos. Depô-la, voltar à candura e ao ser que já não somos, é apagar uma linha talhada e colorida a gosto e a cores próprias. É também redescoberta e um profundo exercício de surpresas e sustos.

Entre todos os Carnavais que hoje vi, sobressai a clara alegria de viver. Todos sorrimos uns para os outros, todos amámos aquele que encontramos pela frente.

Que significado terá o sorriso que nos desaperta a maior vontade de sorrir?

Sem mais,
Luís Gonçalves Ferreira

Comentários

  1. Eu gosto do Carnaval!

    Não dos Carnavais que se fazem por aí, mas do meu Carnaval!

    Daquele que passei este ano e que te contarei pormenores depois...

    Da alegria, da folia, da magia da época.

    Enfim, gosto da alegria :D


    beijinho

    ResponderEliminar
  2. Oix

    Concordo com a tua definição de carnaval. também é desse carnaval que gosto.

    E possamos ser felizes...

    Hugs

    ResponderEliminar
  3. Eu cá gosto é de festa, de amigos, de música, do riso, dos laços.
    Venham eles a propósito do Carnaval ou de outra coisa qualquer. E se for preciso umas máscaras (das de tecido e de tinta, não das de todos os dias), venham elas!!

    ;)

    Beijo!

    ResponderEliminar

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